domingo, 28 de outubro de 2007

Vendaval - By Fernado Pessoa




Ó vento do norte, tão fundo e tão frio, Não achas, soprando por tanta solidão, Deserto, penhasco, coval mais vazio Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano Faz louco lugar, caverna sem fim, Não são tão deixados do alegre e do humano Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em fereza, Só têm a tristeza que a gente lhes vê E nisto que em mim é vácuo e tristeza É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida! Tu, vento do norte, teimoso, iracundo, Que rasgas os robles — teu pulso divida Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia, A alma que tenho pudesses levar - Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento, Mar torvo do caos que parece volver - Porque é que não entras no meu penssamento Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a consciência! Horror de sentir a alma sempre a pensar! Arranca-me, é vento; do chão da existência, De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura, Pelo caos furioso que crias no mundo, Dissolve em areia esta minha amargura, Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que têm lares, Telhados daqueles que têm razão, Atira, já pária desfeito dos ares, O meu coração!
Meu coração triste, meu coração ermo, Tornado a substância dispersa e negada Do vento sem forma, da noite sem termo, Do abismo e do nada!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CLARICE LISPECTOR


AO PASSO QUE AMAR EU POSSO ATÉ NA HORA DE MORRER AMAR NÃO ACABA É COMO SE O MUNDO ESTIVESSE A MINHA ESPERA E EU VOU AO ENCONTRO DO QUE MIM ESPERA.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Meu coração está aos pulos!


Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau." Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!


By Elisa Lucinda

Romanos 8:38-39


Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Oraçao de São Jorge


Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos. Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

São Jorge Rogai por Nós


Se me julgam por ser diferente,Julgo-os por serem todos iguais.Sou tudo aquilo que odeiam,Por que sou tudo aquilo o que não podem ser. Sou melhor do que pensam e pior do que podem imaginar.

Autor desconhecido...

Do "Livro do Desassossego"


Não sei sentir. Não sei ser humano.Não sei conviver de dentro da alma triste, com os homens, meus irmãos na terra.Não sei ser útil, mesmo sentindo ser prático,cotidiano, nítido.Eu vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo, mas tudo ou sobrou ou foi pouco. Não sei qual, e eu sofri.Eu vivi todos os pensamentos, todas as emoções, todos os gestose fiquei tão tristecomo se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.Amei e odiei como toda gente,mas para toda gente isso foi normal e instintivo.Para mim sempre foi a excessão,o choque, a válvula, o escape.Não sei se a vida é pouco ou demais pra mim.Não sei se sinto demais ou de menos.Mas seja como for, a vida, de tão interessante que ela é a todos os momentos, a vida chega a doer, a cortar, a roçar, a ranger,a dar vontade de dar pulos, de ficar no chão,de sair para fora de todas as portas, de todas as casas e ir ser selvagem, entre árvores e esquecimento.

By Fernando Pessoa

Cântico negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos docesEstendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom que eu os ouvisseQuando me dizem: "vem por aqui!"Eu olho-os com olhos lassos,(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)E cruzo os braços,E nunca vou por ali...A minha glória é esta:Criar desumanidades!Não acompanhar ninguém.— Que eu vivo com o mesmo sem-vontadeCom que rasguei o ventre à minha mãeNão, não vou por aí! Só vou por ondeMe levam meus próprios passos...Se ao que busco saber nenhum de vós respondePor que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,Redemoinhar aos ventos,Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,A ir por aí...Se vim ao mundo, foiSó para desflorar florestas virgens,E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!O mais que faço não vale nada.Como, pois, sereis vósQue me dareis impulsos, ferramentas e coragemPara eu derrubar os meus obstáculos?...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,E vós amais o que é fácil!Eu amo o Longe e a Miragem,Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,Tendes jardins, tendes canteiros,Tendes pátria, tendes tetos,E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...Eu tenho a minha Loucura !Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;Mas eu, que nunca principio nem acabo,Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "vem por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou,É uma onda que se alevantou,É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vouSei que não vou por aí!


By José Régio