segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

By Fernando Pessoa


A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

By Fernando Pessoa


Apaixonar-se é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não nos apaixonemos).

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Nossa Senhora do Silêncio


"Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, é então que me interrogo sobre quem tu és, Nossa Senhora do Silêncio... Figura que atravessa todas as minhas visões demoradas de paisagens outras, de interiores antigos, de cerimoniais faustosos de silêncio.
Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e de desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu. Talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.
Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil nunca é o mesmo mas nada muda. Eu digo isso porque eu sei, ainda que não saiba o que sei. Tu não és mulher, nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti, é quando as palavras te chamam fêmea e as expressões te contornam de mulher que eu tenho de te falar com ternura e amoroso.
Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os interstícios das minhas sensações. Por isso eu não penso nem sinto mas os meus pensamentos são ogivais de te sentir e os meus sentimentos góticos de evocar-te.
Ah Nossa Senhora do Silêncio! Ó Lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem do vazio da minha imperfeição. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas nocturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua. "
Bernardo Soares, in '
Livro do Desassossego'

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Monólogo de Orfeu - Vinicius de Moraes


Mulher mais adorada!Agora que não estás, deixa que rompaO meu peito em soluços! Te enrustisteEm minha vida; e cada hora que passaÉ mais por que te amar, a hora derramaO seu óleo de amor, em mim, amada...E sabes de uma coisa? Cada vezQue o sofrimento vem, essa saudadeDe estar perto, se longe, ou estar mais pertoSe perto, – que é que eu sei! Essa agoniaDe viver fraco, o peito extravasadoO mel correndo; essa incapacidadeDe me sentir mais eu, Orfeu; tudo issoQue é bem capaz de confundir o espíritoDe um homem – nada disso tem importânciaQuando tu chegas com essa charla antigaEsse contentamento, essa harmoniaEsse corpo! E me dizes essas coisasQue me dão essa força, essa coragemEsse orgulho de rei. Ah, minha EurídiceMeu verso, meu silêncio, minha música!Nunca fujas de mim! Sem ti sou nadaSou coisa sem razão, jogada, souPedra rolada. Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível! A existênciaSem ti é como olhar para um relógioSó com o ponteiro dos minutos. TuÉs a hora, és o que dá sentidoE direção ao tempo, minha amigaMais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!A beleza da vida és tu, amadaMilhões amada! Ah! Criatura! QuemPoderia pensar que Orfeu: OrfeuCujo violão é a vida da cidadeE cuja fala, como o vento à florDespetala as mulheres - que ele, OrfeuFicasse assim rendido aos teus encantos!Mulata, pele escura, dente brancoVai teu caminho que eu vou te seguindoNo pensamento e aqui me deixo renteQuando voltares, pela lua cheiaPara os braços sem fim do teu amigo!Vai tua vida, pássaro contenteVai tua vida que estarei contigo!

domingo, 28 de outubro de 2007

Vendaval - By Fernado Pessoa




Ó vento do norte, tão fundo e tão frio, Não achas, soprando por tanta solidão, Deserto, penhasco, coval mais vazio Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano Faz louco lugar, caverna sem fim, Não são tão deixados do alegre e do humano Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em fereza, Só têm a tristeza que a gente lhes vê E nisto que em mim é vácuo e tristeza É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida! Tu, vento do norte, teimoso, iracundo, Que rasgas os robles — teu pulso divida Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia, A alma que tenho pudesses levar - Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento, Mar torvo do caos que parece volver - Porque é que não entras no meu penssamento Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a consciência! Horror de sentir a alma sempre a pensar! Arranca-me, é vento; do chão da existência, De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura, Pelo caos furioso que crias no mundo, Dissolve em areia esta minha amargura, Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que têm lares, Telhados daqueles que têm razão, Atira, já pária desfeito dos ares, O meu coração!
Meu coração triste, meu coração ermo, Tornado a substância dispersa e negada Do vento sem forma, da noite sem termo, Do abismo e do nada!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CLARICE LISPECTOR


AO PASSO QUE AMAR EU POSSO ATÉ NA HORA DE MORRER AMAR NÃO ACABA É COMO SE O MUNDO ESTIVESSE A MINHA ESPERA E EU VOU AO ENCONTRO DO QUE MIM ESPERA.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Meu coração está aos pulos!


Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau." Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!


By Elisa Lucinda